sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Comportamento Para-Suicída



“Se eu quisesse sacudir esta árvore com as minhas mãos, não o conseguiria. Mas o vento, que nós não vemos, atormenta-a e verga-a para o lado que quer. É por mãos invisíveis que somos vergados e atormentados da pior maneira.” (Nietzsche, Assim falava Zaratustra).
Comportamento para-suicída, que faço eu? Destruição consciente, desejo consumir-me como um fósforo no angustiante cinzeiro?!
Corrida infernal e ilusória para algo que não vejo, para um caminho para o qual não sei o atalho… junto apenas o essencial. Caneta, papel, um livro e uma muda de roupa e é claro o meu lenço.
Coloco a mochila às costas, dou o primeiro passo, hesito… olho para trás e vejo-te, os teus olhos quentes não enganam, não queres que vá. Prego o olhar no chão, nesse espelho da vida… não, não posso pedir-te tanto, já te pedi demais… tenho que faze-lo sozinho.
Egoísmo muitos lhe chamar-lhe-ão, vontade chamar-lhe-ei eu… os passos vagarosos iniciam a marcha como uma velha locomotiva a carvão, mas depois de colocada em movimento, não parará por nada, nem por ninguém…
O vento frio endurece-me a determinação e as pedras fortalecem-me o desejo. O que faço eu? Não sei! Ou melhor, não sei o que quero, mas sei o que não quero! Não quero um cinzeiro, não quero ficar, não quero a inércia, não quero a multidão, não quero manter-me, não quero parar, não quero arrepender-me de me ter arrependido.
O caminho agreste agrada-me, pois é bem mais fácil do que aquele que faço todos os dias. Ao saltar um ramo, tropeço, a boca fica-me a saber a terra, o sangue escorre e sinto o sabor… é sinal de que estou vivo… levanto-me e com um sorriso trocista grito aos ouvidos da vida “ não consegues fazer melhor que isto, até me dás dó!”
Continuo com um passo cadenciado, primeiro o direito e depois o esquerdo, não tem nada que enganar… parece fácil não é… mas caminhar de uma forma vertical não é para todos, a vida vai-nos colocando fardos, testando-nos, moldando-nos e tentando vergar-nos, até ao ponto em que só conseguimos ver o nosso próprio umbigo, o horizonte deixa de existir e ficamos limitados a um pequeno orifício, podia ser o cu, mas não, é o umbigo.
Por isso parti, parti porque não quero mirar o meu umbigo, prefiro contemplar os incertos campos do desconhecido. O talvez, o podia ter sido, o isso é que era, não me cativam! Quero correr para a mudança, quero aquilo de que tantos fogem e muitos têm medo, quero a felicidade!
Um som entediante faz-se ouvir, abro os olhos, são horas de me levantar… e partir!

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Sentimentos Modelados pela Sociedade


Será hipocrisia, desejo, crime… o que interessa?! É algo nosso…
Pensas não, mas o corpo acena que sim.
O perfume desperta-lhe um instinto quase primitivo de explorar, de descobrir, de possuir!
Olhos nos olhos, pele com pele, as “ânsias” aumentam. O suor escorrega pelas costas curvadas pela culpa… enquanto soltam um gemido agridoce. Provam-se, saboreiam-se, mas a sociedade modela-lhes os sentimentos.
As mãos interligam-se, os pensamentos fundem-se num longo ritual de sensualidade e tentação. Quem resiste, quem será o primeiro a ceder, quem vai dizer que sim…? Desinibição pujante, sorriso catita, propagação de pecado…
Fuga da realidade, ilusão difusa, sonho delirante… será que querem acordar? O povo é sábio, não há mal que sempre dure e bem que nunca acabe.
Estranha atracção, diferente forma de estar, divergente da sociedade que lhes modela os sentimentos... fecham os olhos a respiração acalma de todo aquele frenesim… talvez… talvez noutra vida fosse possível…


quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Voltei a salvar uma vida e mais uma vez não fiquei contente...!


"Não temo a morte ou a dor! Temo uma jaula. Ficar atrás de umas grades até que o hábito e a velhice as aceitem e toda a hipótese de coragem fiquem para além de alcance ou desejo."
Senhor dos Anéis (As Duas Torres).

domingo, 10 de junho de 2007

Só a TI quero!

Passeando pelas ruas de Lisboa à noite penso, relembro-me, reflicto… em como Te quero.
Quanto mais meninas conheço mais gosto de Ti, disse eu certo dia com um sorriso de garoto a quem lhe foi dado uma guloseima… não que as meninas que tenha conhecido não sejam bonitas, ou pouco interessantes, ou mesmo antipáticas… mas só Tu tens aquele sorriso de luar que me faz brilhar o olhar.

Os Teus olhos de um castanho claro, cuja claridade é reflexo de um coração puro quase imaculado, de uma menina, senhora mulher.

Adoro quando me contas histórias intermináveis com milhares de personagens… gosto de Te ver comer, a forma graciosa como manejas os talheres parece teceres uma teia na qual eu já cai… surpreendes-me com a Tua perspicácia, consegues desnudar uma pessoa à Tua frente e traduzi-la em meia dúzia de palavras… e sabes que mais… tens razão!

As Tuas pequenas mãos tocam-me pausadamente e com carinho, como se estivesses a tocar piano… não pares continua a tocar o recital.

A Tua pele ebúrnea deleito-me ao percorrer as curvas torneadas e tentadoras do Teu corpo.

Os lábios que raramente vêem batom e que ficam ressequidos quando o tempo urge e o beijo não surge. Para dar o toque final, os cabelos. De um castanho-escuro da cor da terra, é nele que quero ser enterrado, é nele que estou enterrado.

Só a Ti me confesso… passeio sozinho na noite de Lisboa porque gosto de sentir a cidade a adormecer, gosto de passear nos locais que de dia são infernais e que durante a noite se pode escutar o silêncio.

Gosto de ir ao cinema Quarteto à última sessão e ter uma sala só para mim, para poder chorar, rir, indignar-me, revoltar-me como se estivesse em casa. Gosto de saborear o meu cachimbo (eu sei que faz mal, estou a tentar mudar) e sentir o frio e o nevoeiro a passarem por entre os cabelos alguns deles já grisalhos, desgastados pelas injustiças da vida.

Gosto de ver as fachadas dos prédios e tentar memorizar cada traço.

Gosto de à noite ir comer bolos acabados de fazer… mas o melhor não é eu gostar! O melhor é Tu compreenderes-me, aceitares-me e gostares de mim como eu sou, tal e qual como aquele cliché “sem corantes, nem conservantes”… Abençoada sejas!

Bem ditas meninas que tenho conhecido, pois a elas devo grande parte do amor que gosto e que nutro por Ti!

sábado, 2 de junho de 2007

REALIDADES!

No outro dia no vestiário vesti a minha farda de um branco quase imaculado, coloquei as canetas, a lanterna para avaliar as pupilas no bolso e subi as escadas para a unidade de cuidados intensivos cirúrgicos de um qualquer hospital… durante a subida desejava para mim mesmo que a chefe de equipa não me atribuísse os doentes que estivessem num estado mais critico… mas o meu secreto pedido não se concretizou. O turno estava a decorrer com normalidade ou seja muito trabalho para poucos braços!
A hora das visitas havia chegado, o coração começou a bater mais forte, a respiração acelerou mas pouco.
- Senhor enfermeiro está ali a mulher do senhor Aníbal.
- Pode pedir para entrar se fizer o favor, obrigado! – Respondi eu respirando fundo e inconscientemente olhando para o tecto talvez pedindo ajuda…
Aníbal um homem na casa dos 30 anos pai de dois filhos pequenos, cujo infortúnio tinha sido pendurar o fio do estendal num 6º andar no dia do aniversário do filho mais novo que fazia 3 anos. Desequilibrou-se e caiu…
A mulher entrou receosa na unidade, é-lhe pedido que desinfecte as mãos e que se dirija para a cama do marido. Olhei para a senhora e fui apanhado de surpresa, ela estava grávida, devia estar de 7 meses… voltei a respirar fundo e cerrei os dentes, pois a revolta havia começado a invadir-me o espírito. A senhora de ar modesto de roupas simples caminhou em minha direcção, estendi-lhe a mão para a cumprimentar e soltei um sorriso sincero. A senhora respondeu da mesma maneira e perguntou logo de imediato.
- Senhor enfermeiro como está o meu marido! Sabe nós temos dois filhos e estamos à espera do 3º para breve e ele é o único que trabalha lá em casa, é que tenho uma deficiência nas pernas e ninguém me dá trabalho.
O marido encontrava-se deitado na cama, entubado porque estava a respirar de uma forma artificial, ou seja, estava ligado a um ventilador que o ajudava a respirar, mas o pior é que tinha estado todo o dia a perder massa encefálica pelos orifícios nasais e auditivos o que não é de todo um bom prognóstico. Uma revolta ainda maior começou a tomar conta de mim, como era possível alguém ser “castigado” desta forma? Por onde andava a justiça deste mundo… e Deus, por onde vagueava Ele?
- Senhor enfermeiro ele vai ficar bom? - Perguntou-me a mulher com os olhos a lacrimejar.
Cerrei os dentes com mais força ainda, para não deixar uma lágrima cair e roubar desta forma a esperança daquela mulher. Convidei-a a sentar-se e segurando-lhe nas mãos respondi. – O seu marido teve um acidente muito grave… ele vai sobreviver, mas… mas com certeza que vai ficar com sequelas, ou seja, vai ficar com limitações para o resto da vida, mas essas limitações podem ser reduzidas com reabilitação… compreende o que estou a dizer? – Perguntei com uma voz tranquila e empática.
- Sim estou a perceber senhor enfermeiro, está-me a dizer que ele não vai ser o mesmo mas que há esperança de que ele recupere alguma coisa… só espero que ele possa pegar no bebé ao colo…?!
Estava a ser difícil conter tanta revolta e tristeza, as lágrimas começaram a inundar-me os olhos, a voz custava-me a sair, o nó na garganta sufocava, sufocava cada vez mais… consegui engolir em seco e com a mão limpar os olhos. A senhora olhou para mim, abraçou-me, começou a chorar e disse. – Eu sei que vocês estão a fazer tudo o que podem, obrigado! - O abraço foi prolongado e terapêutico tanto para ela como para mim. A mulher pediu-me se podia ficar mais um pouco com o marido, a esse pedido respondi com um. – Não pode, deve. – E deixei-a sentada de mão dada com o marido.
Medianamente recomposto deste duro embate, a senhora auxiliar de acção médica informou-me que o pai e a mãe da menina Catarina estavam lá fora para a visitar… Respondi que sim, mas que desinfectassem as mãos antes de entrarem. O coração temporariamente tranquilizado por aquele abraço e pelas palavras de gratidão pelo nosso trabalho, recomeçava novamente a bater ainda mais forte… a Catarina uma menina de apenas 18 anos… segundo informação, estava um bonito dia e o namorado queria ir dar um passeio com ela. O pai da menina deu permissão. A filha mais velha que estava grávida de 8 meses verbalizou também ter vontade de ir com o casal de namorados. O pai assertivamente deu o seu consentimento, mas advertiu. – Tem cuidado pois levas as minhas duas filhas e o meu futuro neto?! Vai devagar, eu e a minha esposa seguimos atrás de vocês ok?
O rapaz acenou afirmativamente com a cabeça e lá seguiram… tudo decorria tranquilamente, quando o pior aconteceu… pensa-se que devido ao rebentamento de um pneu da frente do carro, este se despistou e caiu por uma ribanceira. Os pais que circulavam atrás atónitos com o sucedido telefonaram para o 112.
O rapaz saiu ileso, a irmã mais velha ficou paraplégica, conseguiu-se salvar o bebé, mas infelizmente a menina devido ao violento traumatismo craniano, encontrava-se em morte cerebral. Depois desta breve história que rapidamente me relembrei devido à presença dos pais na unidade… o nó sufocante na garganta voltou novamente a apertar, as questões voltaram a ser colocadas, onde está a justiça neste mundo? Porquê ela? Porquê tanta dor? E Deus, por onde vagueava Ele?
Os familiares cumpriram o pedido e desinfectaram as mãos antes de entrarem na unidade e com um olhar resignado cumprimentaram-me e dirigiram-se para a cama da sua menina que repousava num sono profundo. Quem olhava para ela tornava-se difícil acreditar que estava morta, cerebralmente morta. A sua face serena, simpática e juvenil apenas apresentava dois pequenos cortes. Um na face e outro na testa. Mas o mal não está visível, o seu cérebro, as suas funções cognitivas, a manutenção das suas funções básicas de vida estavam irremediavelmente perdidas… como é difícil pensarmos que com o imenso avanço da ciência e em especial ao nível da saúde, ainda hoje se pronunciem palavras como, para sempre, irremediavelmente, inevitavelmente, irreparavelmente…
A menina estava na lista para dadora de órgãos, ia amanhã cedo para o bloco operatório para dar os seus jovens e saudáveis órgãos, para que outros tenham uma 2ª oportunidade para enfrentar os por vezes traiçoeiros caminhos da vida.
O que mais custava neste cenário era ver a família fazer o luto de uma menina que tinha um aspecto tão saudável, tão calmo, tão jovial, mas que estava morta… qual o tamanho da dor daquela família? Era impossível quantificar, era incomensurável.
Quem cá trabalha as 24 horas à cabeceira do doente/utente, por muito que nos façamos de fortes (ou seja lá isso o que for), também nós temos pais, filhos, amigos, também nós sofremos e muito, muitas vezes devido ao sentimento de impotência para lutar contra esta vil personagem que se chama morte. Mas nada comparado com o sofrimento sentido pelas famílias.
O extenuante turno terminou, desci as escadas de volta ao vestiário, vesti a roupa de cidadão anónimo e olhando para o tecto disse baixinho. – Continuo a acreditar em Ti, amanhã gostava de dar só boas notícias, conto contigo…

quarta-feira, 30 de maio de 2007

O Caminho Insondado

No outro dia decidi ir passar uns dias longe de tudo e todos, pedi a uma amiga se me podia emprestar a casa dos pais, que fica algures perdida nas beiras.

Depois de já tarde almoçar, quis conhecer o sítio. Abri a porta e tinha dois caminhos possíveis o do lado esquerdo pelo qual tinha que passar pela povoação, ou, o da direita que parecia bem mais rústico e tentador. A vergonha e a vontade de estar sozinho, fizeram-me escolher o da direita, o caminho insondado e da solidão. O tempo apresentava-se nublado, escuro e ameaçava chuva, mas corajosamente vesti o meu velhinho casaco ensebado, respirei fundo e pensei, o casaco há-de me proteger.

Comecei a caminhar timidamente, observando a passagem que se apresentava em meu redor. A chuva começou a dar sinal de vida, pequenas gotas vinham dizer olá ao velhinho casaco. Encetei pelo caminho de cabras, estreito, austero e interessante. A vegetação verde embelezava o quadro, sendo que o rio Dão fazia de anfitrião.

Passada uma hora de algum esforço, a chuva começou a cair mais vigorosa, coloquei o capuz e apertei a gola para melhor me proteger. Passei por um moinho há muito abandonado e cansado de tanto trabalhar. Tinha um ar simpático e sólido, pareceu-me ouvir água a cair, andei mais um pouco e lá estava ela, uma bonita queda de água. Parei para contemplar a água a correr e pensei… porquê será que gostamos tanto de a ver? Será porque está sempre em movimento? Porque é livre e desimpedida? Ou porque nos faz relembrar a condição humana, ou seja, que a vida tal como a água, não pára e que ao contrário da água, tem um fim e que por isso devemos viver de uma forma intensa? A água conhece as entranhas dos montes e das montanhas, desce e passeia-se no rio pelos vales e encostas, e, termina no mar onde tem a possibilidade de conhecer o fundo deste. Ai espera que o sol a aqueça para ir laurear nas nuvens, que mais tarde ou mais cedo vai cair e irá fazer novamente a longa e bela viagem, sempre! Fecho os olhos e deixo-me ali ficar a escutar o envolvente som da água a deslizar por entre as pedras de granito.
Continuo a caminhada, digo raios e coriscos por me ter esquecido do cachimbo, era o sítio ideal para tranquilamente usufruir dele. Meto a mão ao bolso e encontro um cigarro perdido. Fumei-o debaixo duma nogueira, porque a chuva era algo intensa. Pensei em deitar a beata para o chão, mas fui assaltado por um pensamento… depois de cerca de duas horas e meia de caminho, o sítio era tão remoto, que os únicos vestígios da presença humana eram, o velho moinho abandonado e as minhas pegadas marcadas na terra molhada. Decidi guardar a beata no bolso e deita-lo num local mais apropriado.
Avançando ao longo do caminho, fui abordado por um aroma adocicado, intensificado pela humidade da chuva, não sei que árvore ou flor o produzia, mas bendita sejas. Fico chateado por ter fumado aquele cigarro perdido, pois impediu-me de usufruir o aroma na sua plenitude. Um dia tenho que deixar de fumar, confesso eu baixinho ao meu velhinho casaco.
A chuva começou a diminuir e acaba por cessar, decidi regressar. Ao longo do caminho vou matutando, quem me dera conhecer o nome de todas a flores e árvores que se atravessam à minha frente… mas para quê? O que interessa é que são belas e eu posso aprecia-las, é como a vida.
Chego ao ponto de partida com o coração cheio e satisfeito por ter escolhido o caminho anónimo e menos trilhado. Amanhã se me apetecer estar mais perto das pessoas, talvez vá pelo da esquerda… descalço as botas todas cobertas de lama, penduro o meu velhinho casaco ensebado, sorriu e desabafo - mais uma vez pude contar contigo amigo… até amanhã!

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Cancro, maldito sejas!

Deitado no leito penso, relembro-me do dia em que te conheci, pele ebúrnea, sorriso contagiante, trato afável, de olhar vivo e inteligente… apaixonei-me de imediato! Bela história de amor… agora acamado neste cárcere, impotente para cuidar de mim, sondas para comer, sondas e mais sondas. Entras no quarto e sorris, eu já não consigo falar, já não consigo expressar o quanto gosto de ti.
A enfermeira pede licença e dá-me mais morfina, as dores acalmam… mas pouco. Não é tanto o corpo que me dói, é saber que ficou tanto por fazer, tanto por dizer… o já não conseguir acariciar-te, nem provar o doce e discreto sabor do batom de morango que tu sempre colocas.
Sinto que o final está próximo, sinto que a bela história de amor não vai ter um final feliz, pois a vida real é bem mais áspera… o cancro manhoso como só uma pessoa má sabe ser, esconde-se, camufla-se, foge, arquitecta mais um ataque, desgraçado e maldito sejas. Despedes-te desejando veres-me amanhã, mas já cá não vou estar, tenho cada vez mais dificuldade em respirar, em manter os olhos abertos, os sons esvanecem-se, a morte aproxima-se com passos cadenciados, sinto calafrios no corpo, fecho os olhos e imagino que estás deitada ao meu lado e tento balbuciar as palavras - não chores!

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Murmúrios Incessantes

O corredor psiquiátrico afunilava qualquer esperança de fuga… os murmúrios incessantes, martelavam incansáveis a mente ansiosa e adulterada de João. Quero fugir, eles vêm ai - grita horripilantemente… Corrida desmedida, passada insegura, saliva voraz que goteja e se impregna na roupa, visão atroz do futuro. As vozes não deixam escapar ninguém. O enfermeiro observa a situação, João num acto de loucura atira-se a este, vendo nele um dos outros… prisma pervertido da nossa realidade, pois a sua é bem diferente e bem mais sofredora! Os dois caiem, os olhos de João só conseguem contemplar a liberdade para lá do corredor. Agarram-se, debatem-se… realidade contra ilusão, razão contra delírio, eis que João está perto do seu móbil. O enfermeiro em desvantagem tenta conte-lo pela robustez dos braços… mas o medo que se apoderara de João era superior. Os músculos destes dois homens confrontam-se… João consegue desprender-se e precipita-se violentamente contra as grades da janela com o objectivo de alcançar a fuga, uma, duas vezes… o enfermeiro cansado mas esperançado, faz uso do seu mais poderoso recurso, a palavra. Aquela mente possuída pela alienação, incapaz de distinguir aliado de adversário começa a ceder à palavra, à argumentação. João olha para trás, o suor ensopava a farda do enfermeiro, bem como pequenas pinceladas de sangue que escorriam da comissura labial. Este de braços abertos, expressa de uma forma firme mas gentil - não tenhas medo João, vou ajudar-te. Num momento de lucidez, deixa-se cair de joelhos, lágrimas vertem por entre as mãos, gotas que parecem perguntar, porquê, porquê? O enfermeiro avança, estende-lhe a mão e diz - anda, anda dormir!

domingo, 29 de abril de 2007

O Cachimbo


Peça bela e ímpar, 20 anos proporcionando momentos de deleite. Coloco o tabaco na fornalha, pressionando-o com o dedo, dedos esses que anseiam por te acariciar.
O fósforo acende-se e dá início ao afecto, o tabaco incendeia-se devagar, aumentando o calor dos corpos que ávidos se tocam em carícias por vezes animalescas.
Os lábios tocam ao de leve a boquilha quente pela qual se sorve a seiva da vida… o aroma doce do tabaco espalhado por todo o quarto confunde-se e cria juntamente com o odor corporal um perfume de vontades e anseios.
O toque liso e torneado do cachimbo, coxas e peitos moldados à mão de quem os acarinha, doce entrega, fatal ambição.
Degustando o tabaco, torno-me rei e servo do teu corpo. O cachimbo continua a queimar, a queimar lentamente, lentamente até se apagar por completo… agora repousa na mesinha de cabeceira, pronto e aguarda expectante por mais uma carícia, um toque, um beijo... uma palavra é pronunciada na protecção da semi-escuridão do quarto… amo-te e quero-te sempre!

sexta-feira, 16 de março de 2007

Hoje salvei uma vida... porquê é que não estou contente?!?


Enquanto fumava um cigarro e bebia um martini, pensei...
Hoje salvei uma vida... porquê é que não estou contente?!?
A única consolação é crer que consegui despertar os mais "novos" para a possibilidade de existirem mais do que dois caminhos, para a observação, para o questionamento, mas principalmente para a necessidade de se querer saber sempre mais e melhor...

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

A-mor-zi-nho


Escrevo, mas não sei porquê?!? Ou talvez saiba, talvez tenha mais consciência do que realmente penso e desejo.

Escrever é um arte! Abençoado aquele que tem o dom de "brincar" com as palavras. Abençoado aquele que consegue passar para o puro papel branco, os seus mais obscuros e secretos pensamentos. Abençoados aqueles que podem ler e entender aquilo que o bico da caneta escreve.

Senti uma vontade quase incontrolável de escrever. Mas o quê? Eu sei o quê?!? A vida? É ela a causadora, é sobre ela que eu escrevo.

No outro dia enquanto preparava o meu cachimbo olhei para uns livros algo desarrumados e para uns postais. Postais esses que se encontravam imóveis, ignorados, esquecidos. Alguns escritos há mais de 30 anos. Neles pôde ler juras de amor, troca de beijos e abraços, promessas de amor eterno. Senti amor entre duas pessoas que estavam longe uma da outra, mas que ambicionavam reduzir as distâncias. Palavras como meu amor, saudoso amor, minha querida... e muitas mais. Mas houve uma palavra que me fez estremecer, me fez tremer... não foi a palavra morte, abandono, nem mesmo adeus. Foi o conjunto de sílabas que constituem a palavra... Amorzinho! Se quiseres dizer esta palavra e a pronunciares lentamente, não poderás negar que ela está cheia de ternura, compreensão, amor, carinho e erotismo. E porque é que eu fiquei assim ao ler aquela palavra? Pois também eu a pronuncio, dando-lhe o devido significado. Estou ciente que aqueles que as escreveram no papel também lhe davam o devido valor. Mas passados 30 anos, as palavras são outras! Palavras mais rudez são proferidas. Atitudes incorrectas são tomadas e o respeito é quase abandonado. Talvez agora percebam o meu receio, o significado do meu temor. Tenho medo de me tornar em algo que renego. Tenho medo de nunca mais pronunciar esta palavra que tanta felicidade me proporciona... Amorzinho! O que leva duas pessoas que após 30 anos, tudo aquilo que escreveram no papel não passe de diluídas recordações?

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Aborto despenalizado!

O sim ganhou, mas verdadeiramente quem ganhou foi a democracia, foi a liberdade, foi a consciência, foi a mulher, foi a criança, foi a vida...
A sociedade empenhou-se em explicar as razões do não e as razões do sim. O povo decidiu, está decidido! Agora falta a parte dos políticos, dos tecnocratas, dos burocratas, dos economicistas, dos pseudo-intelectuais...
Como vai ser a nova lei?
Tem o S.N.S capacidade de dar resposta em tempo real?
Se passar das 10 semanas, irá a mulher ser condenada e presa?
Em que locais se poderá realizar IVG?
Quais os profissionais que o poderão fazer?
Temos recursos físicos e humanos?
Irá o estado subsidiar o privado?
Ficará a mulher a nível laboral protegida?E socialmente? Terá direito a dias de luto?
Terá apoio? De que tipo? Realizado por quem? E onde? E a que preço?
Estás e outras questões podem e vão ser levantadas, mas as decisão final, não pode de forma alguma ficar na ponta da caneta de meia dúzia!
Espero e desejo que os do sim, os do não e mesmo os que se absteram por alguma razão, se empenhem para que a nova lei proteja a criança, a mulher, o pai... a família!

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Génesis do Blog

Saudações amigos, camaradas e companheiros!

Bem-vindos ao início deste blog que teve como motivação a inquietude...

"A vida é dor, sofrimento, pecado, erros mas igualmente momentos bons.
Ela é permanente luta, permanente problemas que temos que superar.
Quem é fraco, ao constatar que a vida é difícil e que é uma luta onde se pode perder é possuído pelo medo e renuncia à vida, refugiando-se num mundo de sonho, encontrando nela a segurança e o conforto.
O homem verdadeiro é o que aceita a vida como ela é, com o que tem de bom e de mau. Sentindo medo mas encontrando em si coragem para enfrentar e superar esse medo".

F.Nietzsche pelo Prof. Pedro Coimbra, 1998.