No outro dia decidi ir passar uns dias longe de tudo e todos, pedi a uma amiga se me podia emprestar a casa dos pais, que fica algures perdida nas beiras.
Depois de já tarde almoçar, quis conhecer o sítio. Abri a porta e tinha dois caminhos possíveis o do lado esquerdo pelo qual tinha que passar pela povoação, ou, o da direita que parecia bem mais rústico e tentador. A vergonha e a vontade de estar sozinho, fizeram-me escolher o da direita, o caminho insondado e da solidão. O tempo apresentava-se nublado, escuro e ameaçava chuva, mas corajosamente vesti o meu velhinho casaco ensebado, respirei fundo e pensei, o casaco há-de me proteger.
Comecei a caminhar timidamente, observando a passagem que se apresentava em meu redor. A chuva começou a dar sinal de vida, pequenas gotas vinham dizer olá ao velhinho casaco. Encetei pelo caminho de cabras, estreito, austero e interessante. A vegetação verde embelezava o quadro, sendo que o rio Dão fazia de anfitrião.
Passada uma hora de algum esforço, a chuva começou a cair mais vigorosa, coloquei o capuz e apertei a gola para melhor me proteger. Passei por um moinho há muito abandonado e cansado de tanto trabalhar. Tinha um ar simpático e sólido, pareceu-me ouvir água a cair, andei mais um pouco e lá estava ela, uma bonita queda de água. Parei para contemplar a água a correr e pensei… porquê será que gostamos tanto de a ver? Será porque está sempre em movimento? Porque é livre e desimpedida? Ou porque nos faz relembrar a condição humana, ou seja, que a vida tal como a água, não pára e que ao contrário da água, tem um fim e que por isso devemos viver de uma forma intensa? A água conhece as entranhas dos montes e das montanhas, desce e passeia-se no rio pelos vales e encostas, e, termina no mar onde tem a possibilidade de conhecer o fundo deste. Ai espera que o sol a aqueça para ir laurear nas nuvens, que mais tarde ou mais cedo vai cair e irá fazer novamente a longa e bela viagem, sempre! Fecho os olhos e deixo-me ali ficar a escutar o envolvente som da água a deslizar por entre as pedras de granito.
Continuo a caminhada, digo raios e coriscos por me ter esquecido do cachimbo, era o sítio ideal para tranquilamente usufruir dele. Meto a mão ao bolso e encontro um cigarro perdido. Fumei-o debaixo duma nogueira, porque a chuva era algo intensa. Pensei em deitar a beata para o chão, mas fui assaltado por um pensamento… depois de cerca de duas horas e meia de caminho, o sítio era tão remoto, que os únicos vestígios da presença humana eram, o velho moinho abandonado e as minhas pegadas marcadas na terra molhada. Decidi guardar a beata no bolso e deita-lo num local mais apropriado.
Avançando ao longo do caminho, fui abordado por um aroma adocicado, intensificado pela humidade da chuva, não sei que árvore ou flor o produzia, mas bendita sejas. Fico chateado por ter fumado aquele cigarro perdido, pois impediu-me de usufruir o aroma na sua plenitude. Um dia tenho que deixar de fumar, confesso eu baixinho ao meu velhinho casaco.
A chuva começou a diminuir e acaba por cessar, decidi regressar. Ao longo do caminho vou matutando, quem me dera conhecer o nome de todas a flores e árvores que se atravessam à minha frente… mas para quê? O que interessa é que são belas e eu posso aprecia-las, é como a vida.
Chego ao ponto de partida com o coração cheio e satisfeito por ter escolhido o caminho anónimo e menos trilhado. Amanhã se me apetecer estar mais perto das pessoas, talvez vá pelo da esquerda… descalço as botas todas cobertas de lama, penduro o meu velhinho casaco ensebado, sorriu e desabafo - mais uma vez pude contar contigo amigo… até amanhã!
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