domingo, 10 de junho de 2007

Só a TI quero!

Passeando pelas ruas de Lisboa à noite penso, relembro-me, reflicto… em como Te quero.
Quanto mais meninas conheço mais gosto de Ti, disse eu certo dia com um sorriso de garoto a quem lhe foi dado uma guloseima… não que as meninas que tenha conhecido não sejam bonitas, ou pouco interessantes, ou mesmo antipáticas… mas só Tu tens aquele sorriso de luar que me faz brilhar o olhar.

Os Teus olhos de um castanho claro, cuja claridade é reflexo de um coração puro quase imaculado, de uma menina, senhora mulher.

Adoro quando me contas histórias intermináveis com milhares de personagens… gosto de Te ver comer, a forma graciosa como manejas os talheres parece teceres uma teia na qual eu já cai… surpreendes-me com a Tua perspicácia, consegues desnudar uma pessoa à Tua frente e traduzi-la em meia dúzia de palavras… e sabes que mais… tens razão!

As Tuas pequenas mãos tocam-me pausadamente e com carinho, como se estivesses a tocar piano… não pares continua a tocar o recital.

A Tua pele ebúrnea deleito-me ao percorrer as curvas torneadas e tentadoras do Teu corpo.

Os lábios que raramente vêem batom e que ficam ressequidos quando o tempo urge e o beijo não surge. Para dar o toque final, os cabelos. De um castanho-escuro da cor da terra, é nele que quero ser enterrado, é nele que estou enterrado.

Só a Ti me confesso… passeio sozinho na noite de Lisboa porque gosto de sentir a cidade a adormecer, gosto de passear nos locais que de dia são infernais e que durante a noite se pode escutar o silêncio.

Gosto de ir ao cinema Quarteto à última sessão e ter uma sala só para mim, para poder chorar, rir, indignar-me, revoltar-me como se estivesse em casa. Gosto de saborear o meu cachimbo (eu sei que faz mal, estou a tentar mudar) e sentir o frio e o nevoeiro a passarem por entre os cabelos alguns deles já grisalhos, desgastados pelas injustiças da vida.

Gosto de ver as fachadas dos prédios e tentar memorizar cada traço.

Gosto de à noite ir comer bolos acabados de fazer… mas o melhor não é eu gostar! O melhor é Tu compreenderes-me, aceitares-me e gostares de mim como eu sou, tal e qual como aquele cliché “sem corantes, nem conservantes”… Abençoada sejas!

Bem ditas meninas que tenho conhecido, pois a elas devo grande parte do amor que gosto e que nutro por Ti!

sábado, 2 de junho de 2007

REALIDADES!

No outro dia no vestiário vesti a minha farda de um branco quase imaculado, coloquei as canetas, a lanterna para avaliar as pupilas no bolso e subi as escadas para a unidade de cuidados intensivos cirúrgicos de um qualquer hospital… durante a subida desejava para mim mesmo que a chefe de equipa não me atribuísse os doentes que estivessem num estado mais critico… mas o meu secreto pedido não se concretizou. O turno estava a decorrer com normalidade ou seja muito trabalho para poucos braços!
A hora das visitas havia chegado, o coração começou a bater mais forte, a respiração acelerou mas pouco.
- Senhor enfermeiro está ali a mulher do senhor Aníbal.
- Pode pedir para entrar se fizer o favor, obrigado! – Respondi eu respirando fundo e inconscientemente olhando para o tecto talvez pedindo ajuda…
Aníbal um homem na casa dos 30 anos pai de dois filhos pequenos, cujo infortúnio tinha sido pendurar o fio do estendal num 6º andar no dia do aniversário do filho mais novo que fazia 3 anos. Desequilibrou-se e caiu…
A mulher entrou receosa na unidade, é-lhe pedido que desinfecte as mãos e que se dirija para a cama do marido. Olhei para a senhora e fui apanhado de surpresa, ela estava grávida, devia estar de 7 meses… voltei a respirar fundo e cerrei os dentes, pois a revolta havia começado a invadir-me o espírito. A senhora de ar modesto de roupas simples caminhou em minha direcção, estendi-lhe a mão para a cumprimentar e soltei um sorriso sincero. A senhora respondeu da mesma maneira e perguntou logo de imediato.
- Senhor enfermeiro como está o meu marido! Sabe nós temos dois filhos e estamos à espera do 3º para breve e ele é o único que trabalha lá em casa, é que tenho uma deficiência nas pernas e ninguém me dá trabalho.
O marido encontrava-se deitado na cama, entubado porque estava a respirar de uma forma artificial, ou seja, estava ligado a um ventilador que o ajudava a respirar, mas o pior é que tinha estado todo o dia a perder massa encefálica pelos orifícios nasais e auditivos o que não é de todo um bom prognóstico. Uma revolta ainda maior começou a tomar conta de mim, como era possível alguém ser “castigado” desta forma? Por onde andava a justiça deste mundo… e Deus, por onde vagueava Ele?
- Senhor enfermeiro ele vai ficar bom? - Perguntou-me a mulher com os olhos a lacrimejar.
Cerrei os dentes com mais força ainda, para não deixar uma lágrima cair e roubar desta forma a esperança daquela mulher. Convidei-a a sentar-se e segurando-lhe nas mãos respondi. – O seu marido teve um acidente muito grave… ele vai sobreviver, mas… mas com certeza que vai ficar com sequelas, ou seja, vai ficar com limitações para o resto da vida, mas essas limitações podem ser reduzidas com reabilitação… compreende o que estou a dizer? – Perguntei com uma voz tranquila e empática.
- Sim estou a perceber senhor enfermeiro, está-me a dizer que ele não vai ser o mesmo mas que há esperança de que ele recupere alguma coisa… só espero que ele possa pegar no bebé ao colo…?!
Estava a ser difícil conter tanta revolta e tristeza, as lágrimas começaram a inundar-me os olhos, a voz custava-me a sair, o nó na garganta sufocava, sufocava cada vez mais… consegui engolir em seco e com a mão limpar os olhos. A senhora olhou para mim, abraçou-me, começou a chorar e disse. – Eu sei que vocês estão a fazer tudo o que podem, obrigado! - O abraço foi prolongado e terapêutico tanto para ela como para mim. A mulher pediu-me se podia ficar mais um pouco com o marido, a esse pedido respondi com um. – Não pode, deve. – E deixei-a sentada de mão dada com o marido.
Medianamente recomposto deste duro embate, a senhora auxiliar de acção médica informou-me que o pai e a mãe da menina Catarina estavam lá fora para a visitar… Respondi que sim, mas que desinfectassem as mãos antes de entrarem. O coração temporariamente tranquilizado por aquele abraço e pelas palavras de gratidão pelo nosso trabalho, recomeçava novamente a bater ainda mais forte… a Catarina uma menina de apenas 18 anos… segundo informação, estava um bonito dia e o namorado queria ir dar um passeio com ela. O pai da menina deu permissão. A filha mais velha que estava grávida de 8 meses verbalizou também ter vontade de ir com o casal de namorados. O pai assertivamente deu o seu consentimento, mas advertiu. – Tem cuidado pois levas as minhas duas filhas e o meu futuro neto?! Vai devagar, eu e a minha esposa seguimos atrás de vocês ok?
O rapaz acenou afirmativamente com a cabeça e lá seguiram… tudo decorria tranquilamente, quando o pior aconteceu… pensa-se que devido ao rebentamento de um pneu da frente do carro, este se despistou e caiu por uma ribanceira. Os pais que circulavam atrás atónitos com o sucedido telefonaram para o 112.
O rapaz saiu ileso, a irmã mais velha ficou paraplégica, conseguiu-se salvar o bebé, mas infelizmente a menina devido ao violento traumatismo craniano, encontrava-se em morte cerebral. Depois desta breve história que rapidamente me relembrei devido à presença dos pais na unidade… o nó sufocante na garganta voltou novamente a apertar, as questões voltaram a ser colocadas, onde está a justiça neste mundo? Porquê ela? Porquê tanta dor? E Deus, por onde vagueava Ele?
Os familiares cumpriram o pedido e desinfectaram as mãos antes de entrarem na unidade e com um olhar resignado cumprimentaram-me e dirigiram-se para a cama da sua menina que repousava num sono profundo. Quem olhava para ela tornava-se difícil acreditar que estava morta, cerebralmente morta. A sua face serena, simpática e juvenil apenas apresentava dois pequenos cortes. Um na face e outro na testa. Mas o mal não está visível, o seu cérebro, as suas funções cognitivas, a manutenção das suas funções básicas de vida estavam irremediavelmente perdidas… como é difícil pensarmos que com o imenso avanço da ciência e em especial ao nível da saúde, ainda hoje se pronunciem palavras como, para sempre, irremediavelmente, inevitavelmente, irreparavelmente…
A menina estava na lista para dadora de órgãos, ia amanhã cedo para o bloco operatório para dar os seus jovens e saudáveis órgãos, para que outros tenham uma 2ª oportunidade para enfrentar os por vezes traiçoeiros caminhos da vida.
O que mais custava neste cenário era ver a família fazer o luto de uma menina que tinha um aspecto tão saudável, tão calmo, tão jovial, mas que estava morta… qual o tamanho da dor daquela família? Era impossível quantificar, era incomensurável.
Quem cá trabalha as 24 horas à cabeceira do doente/utente, por muito que nos façamos de fortes (ou seja lá isso o que for), também nós temos pais, filhos, amigos, também nós sofremos e muito, muitas vezes devido ao sentimento de impotência para lutar contra esta vil personagem que se chama morte. Mas nada comparado com o sofrimento sentido pelas famílias.
O extenuante turno terminou, desci as escadas de volta ao vestiário, vesti a roupa de cidadão anónimo e olhando para o tecto disse baixinho. – Continuo a acreditar em Ti, amanhã gostava de dar só boas notícias, conto contigo…